Sinais e sintomas da disfunção temporomandibular nas diferentes regiões brasileiras








Trabalhos relacionados à prevalência da disfunção temporomandibular (DTM) mostram que uma grande parcela da população apresenta sinais e sintomas da disfunção em níveis subclínicos e clínicos. Assim, encontra-se alta prevalência de sinais e sintomas de DTM em indivíduos considerados não-pacientes, isto é, aqueles que não recorrem a tratamento1.

A classificação das amostras de não pacientes estudadas quanto à severidade da DTM pode indicar indivíduos com reais necessidades de tratamento. Fonseca2 e Kuttila et al.3 afirmam que os voluntários com DTM moderada e severa deveriam ser conduzidos a tratamentos específicos. No entanto, Kuttila et al.3 observaram que apenas 7% desses indivíduos são indicados corretamente para um tratamento especializado.

Na busca de processos avaliativos mais simples e que pudessem atingir uma grande área de aplicabilidade, para uso em estudos epidemiológicos e padronização das amostras da pesquisa, alguns autores procuraram elaborar questionários que abrangessem os principais achados clínicos da DTM. A atribuição de índices clínicos e anamnésicos permitiram identificar os sinais e sintomas de DTM e classificá-los em diferentes níveis de severidade2,4,5.

Os índices anamnésico e clínico propostos por Helkimo5 foram obtidos por um conjunto de observações clínicas e permitiram classificar os indivíduos em níveis de severidade: sem DTM, portadores de sinais e sintomas de DTM leve, moderada e severa. Fonseca2 elaborou um questionário nacional semelhante, apresentando confiabilidade de 95% e uma boa correlação com os índices de Helkimo5 (r=0,6169, p<0,05). Esse questionário teria a vantagem de ser auto-administrável, exigir curto tempo de aplicação, menor custo, auxílio na triagem de pacientes, podendo ser utilizado em serviços públicos por pessoal de nível técnico, aplicado em levantamentos epidemiológicos e de acompanhamento do tratamento instituído. Outra vantagem é a obtenção do índice de severidade baseado em relatos subjetivos do paciente em questionário auto-administrável.

Conti et al.6 utilizaram o Índice Anamnésico de Fonseca para avaliar a prevalência dos sinais e sintomas de DTM em 310 estudantes de ensino médio e universitários; 58,7% dos indivíduos foram classificados como assintomáticos ou sem DTM, 34,8% apresentaram sintomas leves, 5,8% sintomas moderados e apenas 0,7% sintomas considerados severos, com maior prevalência dos sintomas no sexo feminino. No estudo realizado por Pedroni et al.7, utilizando o mesmo questionário aplicado a uma amostra de estudantes universitários com idades entre 19 e 25 anos, foi demonstrado que cerca de 68% dos indivíduos apresentaram algum grau de severidade de sinais e sintomas de DTM, sendo também as mulheres as mais afetadas. Oliveira et al.8, em um estudo similar, porém mais abrangente, avaliaram 2.396 universitários brasileiros e relataram uma prevalência de sinais e sintomas da disfunção similar aos relatados na literatura internacional para amostras de não-pacientes.

O Brasil, no entanto, é um país de proporções continentais e inerentes diferenças socioculturais, o que poderia alterar a prevalência dos sinais e sintomas de DTM se esta fosse analisada segundo as diferentes regiões. Tendo em vista que na literatura revisada não foram encontrados estudos de dimensão nacional e que não se sabe se há diferenças entre as prevalências de sinais e sintomas de voluntários não-pacientes entre as regiões do país, o objetivo do estudo foi avaliar a prevalência dos níveis de severidade de sinais e sintomas da DTM em universitários não-pacientes das diferentes regiões do Brasil.

 

METODOLOGIA

Foram aplicados questionários em universitários residentes em 15 cidades distribuídas nas cinco grandes regiões geográficas brasileiras; a coleta foi conduzida no período de novembro de 2002 a outubro de 2003. Para a escolha da cidade foi considerada a existência de instituição de ensino superior com curso de graduação na região, acessibilidade para treinamento dos aplicadores do questionário e acordo dos responsáveis pelas instituições de ensino em participar do projeto.

Todos os voluntários foram informados dos objetivos do estudo e todos assinaram o termo de participação aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário do Triângulo. Os voluntários com diagnóstico clínico de DTM, com ou sem tratamento, e sujeitos que faziam tratamento ortodôntico no momento da coleta foram excluídos do estudo. Um total de 4.337 questionários tiveram todas as perguntas respondidas e foram considerados adequadamente preenchidos pelos voluntários.

No entanto, para assegurar a proporcionalidade regional, após análise dos dados da população universitária brasileira, de acordo com o censo demográfico de 2000 do IBGE9, foram selecionados aleatoriamente 2.396 questionários - previamente numerados e agrupados por região geográfica - correspondendo a aproximadamente 0,09% do total da população universitária brasileira (Tabela 1).

 

 

O questionário de Fonseca2 foi usado para avaliar os voluntários deste estudo. Esse questionário gera um índice que permite classificar os voluntários em quatro categorias de severidade dos sinais e sintomas de DTM: sem estes, com DTM leve, moderada e severa. O questionário consiste em dez perguntas para as quais são possíveis as respostas "às vezes", "sim" ou "não"; para cada pergunta, o voluntário deve assinalar somente uma resposta.

Os resultados foram analisados usando a distribuição da freqüência das respostas das questões de acordo com o índice anamnésico proposto por Fonseca2. Os dados foram convertidos em porcentagem e comparados por categoria de severidade e por sexo, usando o teste Qui-quadrado, com nível de significância de 5% (p<0,05).

 

RESULTADOS

Do total de 2.396 voluntários participantes deste estudo, 1.765 (73,7%) indivíduos pertenciam ao sexo feminino, com média de idade de 21,9±5,0 anos, e 631 (26,3%) ao sexo masculino, com média de idade de 22,4±4,8 anos.

Nessa amostra, a porcentagem de voluntários sem sinais e sintomas de DTM (31,4%) foi significativamente menor (p<0,05) que a daqueles com algum grau de severidade de sinais e sintomas (68,6%). A Tabela 2 apresenta as freqüências relativas de indivíduos não-portadores e portadores de sinas e sintomas de DTM distribuídos pelas regiões brasileiras. A região Sul apresentou maior porcentagem de universitários com sinais e sintomas de DTM (p<0,05), porém a maioria tem severidade considerada leve. Apenas na região Centro-Oeste não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre as porcentagens de portadores de sinais e sintomas de DTM moderada e severa.

 

 

Em todas as regiões foi observado que a porcentagem de mulheres não-portadoras de sinais e sintomas de DTM foi estatisticamente menor (p<0,05) que a de classificadas com algum sinal ou sintoma (Tabela 3). Não houve diferenças significativas entre as porcentagens de mulheres com um mesmo nível de severidade de sinais e sintomas de DTM (p>0,05) entre as regiões estudadas (Tabela 3).

 

 

No grupo dos universitários homens, de todas as regiões, a porcentagem de não-portadores de sinais e sintomas de DTM é significativamente maior (p<0,05) que as de portadores de algum nível de severidade (Tabela 4). Entre os universitários, há maior prevalência de portadores de sinais e sintomas de DTM severa na região Centro-Oeste que nas demais regiões do país (Tabela 4). Existe maior prevalência de universitários sem sinais e sintomas de DTM que de universitárias (p<0,05) nas regiões Nordeste e Sul.

 

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, a prevalência dos sinais e sintomas de DTM em estudantes universitários foi de 73,7% nos indivíduos do sexo feminino (com 21 anos em média) e de 26,3% nos indivíduos do sexo masculino (média de idade 22 anos). Parker10 e Solberg et al.11 indicaram em seus trabalhos que, nessa faixa etária, os indivíduos estariam mais susceptíveis a sinais e sintomas da DTM.

O número de indivíduos, de ambos os sexos, não-portadores de DTM (31,4%) foi significativamente menor que o de indivíduos portadores de algum grau de severidade dos sinais e sintomas da DTM (68,6%). Resultados semelhantes quanto à prevalência de não-portadores de DTM de ambos os sexos foram encontrados por Pedroni et al.7 (32%), Schiffman12, (25%), Locker e Slade13, (33%) e Grosfeld et al.14 (28%).

No presente estudo, 27,0% das mulheres e 43,7% dos homens foram classificados como não-portadores de sinais e sintomas da DTM. Entretanto, os trabalhos de Conti6 e Shiau e Chang15, também utilizando questionários auto-administráveis, encontraram maiores porcentagens de indivíduos não-portadores, 58% e 59%, respectivamente.

Neste estudo, foi observada uma porcentagem de universitários com sinais e sintomas leves de DTM maior que a de indivíduos sem sinais em todas as regiões, embora sendo significante apenas nas regiões Sudeste e Sul. Esses resultados podem estar relacionados a dois fatores: a maior parte dos indivíduos avaliados (70,6%) pertencia a essas regiões (Sul e Sudeste); essas regiões são as mais industrializadas e de maior densidade populacional, o que aumenta a competitividade entre os indivíduos no mercado de trabalho, podendo ocasionar alterações na qualidade de vida e desencadear estresse16. Regiões mais industrializadas também podem apresentar atividade produtiva que exija alterações físicas, decorrentes das funções ocupacionais, que alterem constantemente o posicionamento da mandíbula, cabeça, pescoço, coluna e ombros, podendo atuar como agente etiológico predisponente e perpetuante da DTM17. Outros estudos indicam que esses fatores, na vida diária dos indivíduos, podem gerar transtornos psicológicos e somatizações como elo entre as formas mais comuns de estresse (ansiedade, depressão, desordem de pânico), associado aos sintomas mais específicos de DTM18.

O número de universitários portadores de sinais e sintomas severos de DTM foi significativamente menor que aqueles com sintomas moderados em quase todas as regiões, embora na região Centro-Oeste não fosse observada diferença estatística entre a porcentagem de indivíduos com sinais e sintomas moderados e severos. Nessa região há uma distribuição mais eqüitativa entre universitários com sintomas moderados e severos e, de forma geral, a região Centro-Oeste apresentou maior porcentagem, embora não significativa, de indivíduos com sinais e sintomas severos que as demais regiões.

Com exceção da região Sul, as demais apresentaram de 65 a 69% de universitários portadores de sinais e sintomas de DTM. Entretanto, observa-se que nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste encontrou-se maior porcentagem de indivíduos com DTM moderada e severa, 21%, 20% e 22%, respectivamente (Tabela 2). Segundo Fonseca4, os voluntários com sinais e sintomas moderados e severos de DTM deveriam ser conduzidos a tratamentos específicos. Assim, de acordo com os dados obtidos neste estudo, nessas regiões estão os mais elevados números de indivíduos com maior necessidade de encaminhamento ao tratamento da DTM.

Em relação ao sexo, foi observado que entre as mulheres ocorreu o mesmo padrão de distribuição que na amostra geral, tendo em vista que compõem a maior parte da amostra. Entre os homens, foram encontradas maiores porcentagens de portadores de algum nível de severidade de sinais e sintomas de DTM na região Sudeste (58,4%), embora essa diferença não tenha sido significativa. Na região Centro-Oeste foi encontrada a maior porcentagem de universitários que deveriam ser encaminhados para tratamento específico de DTM por apresentarem maior número de classificados como portadores de sinais e sintomas de DTM moderada e severa (17,4%) que nas outras regiões do país.

Ao comparar regionalmente os universitários dos sexos masculino e feminino, em relação à severidade do relato de sinais e sintomas, observa-se que a porcentagem de homens classificados como não-portadores foi maior em todas as regiões, embora esses valores tenham sido estatisticamente significantes apenas nas regiões Nordeste e Sul. Esses dados indicam que nessas regiões há maior probabilidade de encontrar universitários sem sinais e sintomas de DTM que universitárias.

As universitárias apresentaram maior porcentagem de sinais e sintomas severos que os universitários do sexo masculino em quase todas as regiões, sendo essa diferença significante apenas na região Norte. A região Centro-Oeste foi a única em que os estudantes do sexo masculino apresentaram uma porcentagem de indivíduos com sinais e sintomas de DTM severa maior que as mulheres. Esses dados permitem concluir que regionalmente, nesta amostra, as universitárias apresentaram maior prevalência e severidade de sinais e sintomas de DTM que a encontrada entre os homens. Os resultados deste estudo indicam ainda que há maior probabilidade de encontrar universitárias com sinais e sintomas de DTM moderada na região Sul e severa na região Nordeste que universitários homens com esses mesmos grau de severidade.

Não foram encontrados na literatura, estrangeira e nacional, estudos de abrangência populacional semelhante à do presente estudo, que possibilitasse um melhor confronto entre os achados e discussão. A utilização de um questionário anamnésico não confirma o diagnóstico da DTM, mas serve para o levantamento dos sinais e sintomas em estudo de grande abrangência, como o proposto neste estudo2. Considerando a possibilidade de progressão da disfunção1,19 e a futura necessidade de atendimento especializado19 - cabendo ressaltar que o tratamento da DTM deve ser multiprofissional e interdisciplinar9 -, chama a atenção o grande número de não-pacientes portadores de algum nível de severidade de sinais e sintomas de DTM. Os resultados aqui apresentados indicam a necessidade de mais estudos regionais, especialmente os longitudinais, para acompanhar a progressão desses sinais e sintomas, e a implantação e credenciamento de serviços especializados para o tratamento da DTM, a fim de contribuir para a redução do impacto da disfunção nos portadores, bem como para os estudos epidemiológicos.

 

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a porcentagem de universitários (não-pacientes) portadores de algum nível de sinais e sintomas de DTM foi significantemente maior que a de não- portadores em todas as regiões. Os resultados também indicam que diferentes regiões apresentam diferentes prevalências de sinais e sintomas de DTM. O credenciamento de centros especializados no tratamento da DTM e estudos longitudinais são necessários para o adequado acompanhamento da evolução desses sinais e sintomas e da procura por serviços especializados.

 

REFERÊNCIAS

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2 Fonseca DM. Disfunção temporomandibular (DTM): elaboração de um índice anamnésico [dissertação]. Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru, USP; 1992.        [ Links ]

3 Kuttila M, Kuttila S, Niemi PM, Alanen P, Lebell Y. Fluctuation of treatment need for temporomandubular disorders and age, gender, stress, and diagnostic subgroups. Acta Odontol Scand. 1998;55:350-5.        [ Links ]

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8 Oliveira AS, Dias EM, Contato RG, Bérzin F. Prevalence study of signs and symptoms of temporomandibular disorders in Brazilian college students. Braz Oral Res. 2006;20(1):3-7.        [ Links ]

9 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico de 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro; 2001. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/censo/numeros.shtm.        [ Links ]

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14 Grosfeld O, Jackowska M, Czanercka B. Results of epidemiological examinations of temporomandibular joint in adolescents and young adults. J Oral Rehabil. 1985;12:95-105.        [ Links ]

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19 Agerberg G, Sandstrom R. Frequency of occlusal interferences: a clinical study in teenagers and young adults. J Prosthet Dent. 1998;59:212-7.        [ Links ]


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