Desconforto na ATM relacionada ao uso da chupeta









A articulação temporomandibular (ATM) constitui a ligação móvel entre o osso temporal e a mandíbula. É uma articulação do tipo sinovial, que se inter-relaciona anatômica e cinesiologicamente com as articulações adjacentes e da coluna cervical2. Disfunções nessa articulação são resultado de seu funcionamento anormal e podem aparecer por diversos motivos, como alterações posturais, desarmonia do côndilo com o disco, parafunções, fatores psicológicos, alterações proprioceptivas, decorrentes de desequilíbrios oclusais, entre outros3.

As disfunções da articulação temporomandibular (DTM) são descritas por Siqueira & Ching4 como um grupo de condições dolorosas orofaciais com alterações funcionais do aparelho mastigatório. Essas disfunções podem levar a diversos sinais e ou sintomas, estando em muitos casos, presentes dores musculares nos masseteres e temporais, dores articulares, dores de ouvido, entre outros5,6. Estas disfunções na ATM são mais freqüentes no sexo feminino; Correia7 e Ramos8 e Souza9 mostraram que 97,9% das alterações ocorrem em mulheres e são acompanhadas de sinais e ou sintomas característicos. Geralmente, problemas nessa articulação são descobertos na fase adulta, porém eles podem começar cedo, ainda na infância, e estarem relacionados com hábitos da criança. A sucção, considerada um hábito nutritivo até os três anos de idade e vicioso após esta idade, têm sido tema de estudo, por tratar-se de um hábito comum e pelos danos que pode causar10,11. Alamoudi et al.12 mostraram que os distúrbios funcionais do sistema mastigatório são comuns em crianças e adolescentes, e tendem a aumentar na fase adulta. Thilander et al.13 colocam que as disfunções temporomandibulares em crianças também apresentam etiologia multifatorial, podendo citar hábitos parafuncionais e alterações oclusais que influenciam na função natural da musculatura mastigatória.

Assim, atividades parafuncionais como o uso da chupeta, normalmente mais visto em meninas14, podem ser desencadeadores de disfunções na articulação temporomandibular, por causarem mordida aberta anterior, retrusão da mandíbula, protusão do maxilo, sobremordida excessiva, vestíbulo versão de incisivos superiores, mordida cruzada posterior, palato ogival e deformidades angulares15. Martins et al.16 concluíram que em um estudo realizado com crianças entre dois e seis anos de idade, que o hábito de sucção de chupeta pode desencadear anomalias na oclusão dentária. Cavassani et al.17 encontraram distúrbios articulatórios em 55,56% da amostra estudada, a qual era formada por crianças entre cinco e nove anos de idade, que apresentavam hábitos orais viciosos de sucção. Sendo assim, nota-se que os hábitos orais, freqüentes em crianças, desequilibram o sistema estomatognático, e podem aparecer como fator etiológico de disfunção temporomandibular. Com isso, o presente estudo teve por objetivo analisar se o tempo de uso da chupeta influenciava no aparelho estomatognático em crianças que não apresentavam outros hábitos parafuncionais.

 Método

Antes da coleta dos dados, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética da Universidade de Mogi das Cruzes. Após aprovação, foi pedida autorização às diretorias de dois colégios (uma escola particular e uma escola pública, ambas da mesma cidade, na Grande São Paulo). Já com essa autorização, foram explicados a mães de 150 crianças os objetivos da pesquisa, e estas assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram incluídas no estudo todas as crianças as quais as mães responderam o questionário por completo, e que não apresentavam outros hábitos parafuncionais além do uso da chupeta verificado através do questionário. Foram excluídas as crianças as quais as mães não fizeram o preenchimento completo dos questionários ou não quiseram responder o mesmo, e as crianças que apresentavam outros hábitos parafuncionais além do uso da chupeta, como chupar o dedo, ranger ou apertar os dentes, roer unhas ou mascar chiclete. Os questionários foram entregues para as mães, com um folheto explicativo sobre disfunção temporomandibular, e telefone para contato em caso de dúvidas. Após análise dos resultados, 60 crianças foram excluídas por apresentarem outros hábitos parafuncionais. Foram incluídas no estudo 90 crianças, entre três e sete anos de idade, sendo 49 meninas e 41 meninos. O questionário iniciava com a coleta dos dados pessoais, e era composto das seguintes perguntas: 1. Se a criança apresenta dor na articulação temporomandibular; 2. Se a criança apresenta cefaléia; 3. Se a criança apresenta dor no ouvido; 4. Se a criança apresenta cansaço ao mastigar os alimentos; 5. Se a criança apresenta dificuldade ao mastigar os alimentos; 6. Se a criança usou chupeta e se sim, até que idade; 7. Se a criança chupa o dedo; 8. Se a criança range ou aperta os dentes; 9. Se a criança rói unhas; 10. Se a criança masca chiclete. Para análise dos resultados, as crianças foram divididas em três grupos, de acordo com o tempo de uso da chupeta: - Crianças que não usaram chupeta (33 crianças); - Crianças que fizeram uso de chupeta até dois anos de idade (14 crianças); - Crianças que fizeram uso de chupeta até mais de dois anos de idade (43 crianças).

 Análise dos resultados

Após as avaliações foi calculado o grau de correlação entre as variáveis colhidas, tempo de uso da chupeta. Para se medir e avaliar o grau de relação existente entre as variáveis aleatórias foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Pearson18. Para o cálculo deste coeficiente utilizou-se a seguinte fórmula: O campo de variação do Coeficiente "r" situa-se entre -1 e +1, sendo que sua interpretação depende do valor numérico e do sinal. Valor de Alfa Foi utilizado o valor de alfa (a) igual 0,05 no teste estatístico para rejeitar a hipótese de nulidade. Este objetivou verificar se o tempo de uso da chupeta alterava a prevalência de sinais e ou sintomas de disfunção temporomandibular. Estes dados são demonstrados na Tabela 1. Resultados Entre as crianças que não usaram chupeta, 32,2% apresentaram alguma dor; 17,7% cansaço ou dificuldade ao mastigar os alimentos; e 5,8% dor, cansaço e dificuldade na mastigação. Das crianças que usaram chupeta até dois anos, 15,3% apresentaram dor e 7,6% cansaço ou dificuldade ao mastigar os alimentos. Já entre as crianças que fizeram uso da chupeta até mais de dois anos, 34,8% apresentaram alguma dor; 13,9% cansaço ou dificuldade ao mastigar e 2,3% dor, cansaço e dificuldade na mastigação, como demonstrado no Gráfico 1. Quando se aplica o Coeficiente de Correlação de Pearson, observa-se que entre as crianças que não usaram chupeta e aquelas que usaram até dois anos (24 meses), o aumento do tempo de uso da chupeta diminui de maneira significativa a média do número de sintomas de disfunção temporomandibular (r = -1,00). Já depois dos dois anos (sendo que foi considerado até 84 meses, pois foi o máximo de tempo de uso encontrado nos voluntários avaliados), o aumento do tempo de uso da chupeta aumentou também de forma significativa a média do número de sintomas de disfunção temporomandibular (r = 1,00) (Tabela 1). Notou-se também maior prevalência de sintomas de disfunção entre as meninas do que entre os meninos. Das meninas entrevistadas, 53% apresentavam dor ou desconforto na região da articulação temporomandibular; já entre os meninos, 39% apresentaram algum sintoma de disfunção.

Discussão

Após a análise dos resultados obtidos através dos questionários respondidos pelas mães das crianças, como feito em outros estudos, que demonstram que há validade nas respostas dadas pelas mães19, notou-se alta prevalência de dor ou desconforto no aparelho estomatognático, mostrando que as disfunções temporomandibulares constituem um distúrbio comum entre as crianças. Verificou-se uma maior prevalência de sintomas de disfunção temporomandibular nas meninas, o que condiz com a literatura, que mostra uma incidência maior dessas disfunções no sexo feminino7-9. Foi possível observar também correlação significante entre o tempo de uso da chupeta com o aparecimento dos sintomas entre crianças que não apresentavam outros hábitos parafuncionais. Dor ou cansaço/dificuldade ao mastigar os alimentos apareceu principalmente naquelas que não usaram chupeta ou fizeram esse uso até mais de dois anos. Assim, a falta da chupeta pode fazer com que a criança não prepare sua musculatura mastigatória, apresentando fadiga ao mastigar alguns tipos de alimentos. Felício20, mostra que a sucção é um exercício muscular necessário, que prepara língua, lábios e mandíbula para a mastigação. Sendo assim, se a musculatura não estiver preparada, quando os alimentos sólidos são introduzidos na dieta da criança esta pode apresentar fadiga muscular, a qual pode ser responsável pelo aparecimento de dor. Gráfico 1. Presença de sintomas de DTM relacionados ao tempo de uso da chupeta Já o uso excessivo da chupeta pode ocasionar alterações da oclusão21, distúrbios miofuncionais ou interposição lingual, interferindo na biomecânica da articulação temporomandibular. Isso também gera dor, e essa dor pode ser o fator desencadeante do cansaço e da dificuldade ao mastigar. Frente aos resultados obtidos, é verificável que a chupeta pode ser importante por fazer com que a criança realize movimentos de sucção, preparando-a para a introdução de alimentos sólidos22. Porém, se usada por tempo prolongado, pode prejudicar a articulação e, conseqüentemente, a qualidade de vida da criança.

Conclusão

Foi possível concluir que o tempo de uso da chupeta influenciou na prevalência de sintomas de disfunção temporomandibular de forma significativa.

Referências Bibliográficas

1. Savalle WPM. Anatomia do Aparelho Mastigatório. In: Steenks MH, Wijer A. Disfunções da Articulação Temporomandibular do Ponto de Vista da Fisioterapia e da Odontologia. São Paulo: Santos; 1996.

2. Okeson JP. Fundamentos de Oclusão e Desordens Temporomandibulares. São Paulo: Artes Médicas; 1992.

3. Teixeira ACB, Marcucci G, Luz JGC. Prevalência das maloclusões e dos índices anamnésicos e clínicos em pacientes com disfunção da articulação temporomandibular. Rev Odonto USP 1999; 13(3): 251-6.

4. Siqueira JTT, Ching LH. Dor Orofacial/ATM. Bases para Diagnóstico Clínico. Curitiba: Maio; 1999.

5. Barbosa GAS et al. Distúrbios Oclusais: Associação com a Etiologia ou uma Conseqüência das Disfunções Temporomandibulares? JBA 2003; 03(10): 158-63.

6. Magnusson T et al. Changes in clinical signs of craniomandibular disorders from the age of 15 to 25 years. J Orofac Pain 1994; 8: 207-13.

7. Correia FAS. Prevalência da sintomatologia nas disfunções da articulação temporomandibular e suas relações com idade sexo e perdas dentais (dissertação). São Paulo: Faculdade de Odontologia Universidade de São Paulo; 1983.

8. Ramos HAD et al. Sinais e sintomas das disfunções dolorosas da articulação temporomandibular. Odonto Cad Doc 1992; 34(2): 252-5.

9. Souza JAS. Síndrome da articulação temporomandibular. RGO 1980; 38: 295-8.

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12. Alamoundi N, Farsi N, Salako N, Feteih R. Temporomandibular disorders among school children. J Clin Pediatr Dent 1998; 22: 323-9.

13. Thilander B, Rubio G, Pena L, Mayorga C. Prevalence of Temporomandibular Dysfunction and its association with malocclusion in children and adolescents: an epidemiologic study related to specified stages of dental development. Angle Orthodontist 2002; 72(2): 146-53.

14. Jersil AJ. Psicologia da criança. 2ª ed. Minas Gerais: Itatiaia; 1973.

15. McDonald HE, Avrry DH. Odontopediatria. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1986.

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17. Cavassani VGS, Ribeiro SG, Nemr NK, Greco AM, Kohle J, Lehn C. Hábitos orais de sucção: estudo piloto em população de baixa renda. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia 2003; 60(1): 106-10.

18. Toledo GL, Ovalle I. I. II Estatística Básica. São Paulo: Atlas 1995.

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20. Felício CM. Fonoaudiologia na desordens temporomandibulares - Uma ação educativa terapêutica. São Paulo: Pancast Editora; 1994.

21. Tomita NE, Sheiham A, Bijella VT, Franco LJ. Relação entre determinantes sócio econômicos e hábitos bucais de risco para más-oclusões em pré-escolares. Pesq Odont Brás 2000; 14: 169-75.

22. André M. Tratamento odontopediátrico. Em: Altmann EBC. Fissuras labiopalatais. São Paulo: Pró Fono; 1990.


Autora: Juliana de Paiva Tosato, Daniela Aparecida Biasotto-Gonzalez, Tabajara de Oliveira Gonzalez

Fonte:http://www.rborl.org.br/conteudo/acervo/acervo.asp?id=3240


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